09 de Fevereiro - São Cirilo de Alexandria, Bispo, confessor e Doutor


Também hoje, continuando com nosso caminho seguindo os passos dos Padres da Igreja, encontramos uma grande figura: São Cirilo de Alexandria. Ligado à controvérsia cristológica que levou ao Concílio de Éfeso do ano 431, último representante de importância da tradição alexandrina, Cirilo foi definido mais tarde no Oriente como «Custódio da exatidão» – que quer dizer custódio da verdadeira fé – e inclusive como «selo dos Padres».

Estas antigas expressões manifestam um dado de fato que é característico de Cirilo, ou seja, a constante referência do bispo de Alexandria aos autores eclesiásticos precedentes (entre estes, sobretudo Atanásio) com o objetivo de mostrar a continuidade da própria teologia com a tradição. Quis integrar-se explicitamente na tradição da Igreja, na qual reconhece a garantia de continuidade com os apóstolos e com o próprio Cristo.

Venerado como santo tanto no Oriente como no Ocidente, em 1882 São Cirilo foi proclamado doutor da Igreja pelo Papa Leão XIII, quem ao mesmo tempo atribuiu o mesmo título a outro importante expoente da patrística grega, São Cirilo de Jerusalém. Revelaram-se assim a atenção e o amor pelas tradições cristãs orientais daquele Papa, que depois quis proclamar também doutor da Igreja São João Damasceno, mostrando que tanto a tradição oriental como a ocidental expressam a doutrina da única Igreja de Cristo.

Chegaram-nos poucas notícias sobre a vida de Cirilo antes de sua eleição à importante sede de Alexandria. Sobrinho de Teófilo, que desde o ano 385 como bispo regeu com mão firme e prestigio a diocese de Alexandria, Cirilo nasceu provavelmente nessa mesma cidade egípcia entre o ano 370 e 380. Depois abraçou a vida eclesiástica e recebeu uma boa educação, tanto cultural como teológica. No ano 403 se encontrava em Constantinopla seguindo seu poderoso tio e lá participou do Sínodo que depôs o bispo da cidade, João (depois conhecido como Crisóstomo), registrando assim o triunfo da sede de Alexandria sobre seu rival tradicional, Constantinopla, onde residia o imperador. Após a morte do seu tio Teófilo, sendo ainda jovem, Cirilo foi eleito no ano 412 como bispo da influente Igreja de Alexandria, governando-a com grande energia durante 32 anos, buscando afirmar sempre o primado em todo o Oriente, fortalecido também pelos laços tradicionais com Roma.

Dois ou três anos depois, no ano 417, o bispo de Alexandria deu provas de realismo ao sanar a ruptura da comunhão com Constantinopla, que acontecia desde o ano 406, após a deposição de Crisóstomo. Mas o antigo contraste com a sede de Constantinopla voltou a estourar dez anos depois, quando no ano 428 foi eleito Nestório, monge severo e de prestígio formado em Antioquia. O novo bispo de Constantinopla suscitou logo oposições, pois em sua pregação preferia para Maria o título de «Mãe de Cristo» («Christotòkos»), ao invés de «Mãe de Deus» (Theotòkos»), já então muito querido pela devoção popular.

O motivo dessa decisão do bispo Nestório era sua adesão à cristologia da tradição de Antioquia que, para salvaguardar a importância da humanidade de Cristo, acabava afirmando sua separação da divindade. Deste modo, já não era uma autêntica união entre Deus e o homem em Cristo e, portanto, já não podia falar-se de «Mãe de Deus».

A reação de Cirilo, então máximo expoente da cristologia de Alexandria, que sublinha intensamente a unidade da pessoa de Cristo, foi imediata e se deslocou com todos os meios já a partir do ano 429, entre outras coisas, enviando algumas cartas ao mesmo Nestório.

Na Segunda Carta (PG 77, 44-49) que Cirilo enviou, em fevereiro de 430, lemos uma clara afirmação do dever dos pastores de preservar a fé do Povo de Deus. Este era seu critério, válido também para hoje: a fé do Povo de Deus é expressão da tradição, é garantia da sã doutrina. Escreve estas linhas a Nestório: «É necessário expor ao povo de Deus o ensinamento e a interpretação da fé de maneira mais irrepreensível e recordar que quem escandaliza ainda que for a um só dos pequenos que crêem em Cristo, sofrerá um castigo intolerável».

Na mesma carta a Nestório, carta que mais tarde, no ano 451, teria sido aprovada pelo Concilio de Calcedônia, quarto concilio ecumênico, Cirilo descreve com clareza sua fé cristológica: «São diversas as naturezas que se uniram em uma verdadeira unidade, mas de ambas resultou um só Cristo e Filho, não porque por causa da unidade se tenha eliminado a diferença das naturezas humana e divina, mas porque humanidade e divindade reunidas de forma inefável produziram o único Senhor, Cristo, o Filho de Deus».

Isso é importante: realmente a verdadeira humanidade e a verdadeira divindade se unem em uma só Pessoa, nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso, continua dizendo o bispo de Alexandria, «professamos um só Cristo e Senhor, não só no sentido de que adoramos o homem junto com o ‘Logos’, para não insinuar a idéia da separação dizendo ‘junto’, mas no sentido de que adoramos um só, pois seu corpo não é algo alheio ao ‘Logos’, com o qual está sentado à destra do Pai. Não estão sentados a seu lado dois filhos, mas um só, unido com a própria carne».

Rapidamente, o bispo de Alexandria, graças a agudas alianças, conseguiu que Nestório fosse condenado repetidamente: por parte da sede romana com uma série de doze anátemas redigidos por ele mesmo e, finalmente, pelo Concílio de Éfeso, no ano 431, o terceiro concílio ecumênico.

A assembléia, que se desenvolveu com vicissitudes tumultuosas, concluiu com o primeiro grande triunfo da devoção a Maria e com o exílio do bispo de Constantinopla, que não queria reconhecer à Virgem o título de «Mãe de Deus», por causa de uma cristologia equivocada, que criava divisão no próprio Cristo. Depois de ter prevalecido deste modo sobre o rival e sua doutrina, Cirilo soube alcançar já no ano 433 uma fórmula teológica de compromisso e de reconciliação com os de Antioquia. E isso também é significativo: por uma parte se dá a clareza da doutrina da fé, mas por outra, a intensa busca da unidade da reconciliação. Nos anos seguintes, ele se dedicou com todos os meios a defender e esclarecer sua posição teológica até a morte, ocorrida em 27 de junho do ano 444.

Os escritos de Cirilo, verdadeiramente muito numerosos e difundidos amplamente, inclusive em diferentes traduções latinas e orientais já em sua vida, prova de seu êxito imediato, são de importância primária para a história do cristianismo. São importantes seus comentários a muitos livros do Antigo e do Novo Testamento, entre os quais se destaca todo o Pentateuco, Isaías, os Salmos e os Evangelhos de João e de Lucas. São de grande importância também muitas obras doutrinais, nas quais aparece continuamente a defesa da fé trinitária contra as teses arianas e contra as de Nestório. A base do ensino de Cirilo é a tradição eclesiástica e, em particular, como mencionei, os escritos de Atanásio, seu grande predecessor na sede de Alexandria. Entre os outros escritos de Cirilo, é preciso recordar por último os livros «Contra Juliano», última grande resposta às polêmicas anti-cristãs, ditado pelo bispo de Alexandria provavelmente nos últimos anos de vida para refutar a obra «Contra os Galileus», composta muitos anos antes, em 363, pelo imperador que foi chamado de «o Apóstata» por ter abandonado o cristianismo no qual havia sido educado.

A fé cristã é antes de tudo um encontro com Jesus, «uma pessoa que dá à vida um novo horizonte» (encíclica «Deus caritas est», 1). De Jesus Cristo, Verbo de Deus encarnado, São Cirilo de Alexandria foi uma incansável e firme testemunha, sublinhando sobretudo a unidade, como repete no ano 433, na primeira carta (PG 77, 228-237) ao bispo Sucenso: «Um só é o Filho, um só o Senhor Jesus Cristo, seja antes da encarnação ou depois da encarnação. De fato, não se trata de um filho, o ‘Logos’, nascido de Deus Pai, e de outro, nascido da santa Virgem, mas cremos que precisamente Aquele que está antes dos tempos nasceu também segundo a carne de uma mulher». Esta afirmação, muito além de seu significado doutrinal, mostra que a fé em Jesus, «Logos», nascido do Pai, está também sumamente arraigada na história, pois, como afirma São Cirilo, este mesmo Jesus entrou no tempo com o nascimento de Maria, a «Theotòkos», e estará sempre conosco, segundo sua promessa, e isso é importante: Deus é eterno, nasceu de uma mulher e continua conosco cada dia. Nesta confiança vivemos, nesta confiança encontramos o caminho de nossa vida.

Fonte: Vaticano

Veritatis Splendor

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