Liturgia Católica II: O papa tem o poder de mudar o rito?

Quando o Papa São Gregório Magno (+ 604), no rito romano, retirou a fração do pão do final do cânon para colocá-la justo antes da comunhão, como no rito bizantino, foi violentamente criticado; pelo que o Papa em carta ao bispo de Siracusa teve que se defender por ter procedido a esta modificação e a outras de menor importância. Em muitos lugares se teve que esperar até o século VIII para que a reforma de São
Gregório se impusesse.

Mas por outra parte, este Papa jamais pensou em introduzir fora de Roma aquele missal destinado só às missas das estações papais e não à liturgia das Igrejas paroquiais ou Igrejas titulares (“Liber sacramentorum Romanae ecc1esiae”). É conhecido seu princípio: “In una fide nil officit santae ecc1esiae consuetudo diversa”, que quer dizer “Se a unidade da fé está salvaguardada, os diversos costumes (consuetudo) rituais não prejudicam a Santa Igreja”.

Pelo fato de o sacramentário de São Gregório, pouco a pouco, ter se estendido também fora de Roma, pôde servir posteriormente de base ao “Missale romanum”. Desejava-se imitar o rito da cidade de Roma por causa da veneração que se tinha a São Pedro. Tenhamos em conta que nenhum Papa, nem depois de São Gregório, insistiu para que este sacramentário fosse adotado.

Assim, São Bonifácio, tão ansioso para seguir as diretrizes dos papas e que consultava Roma para qualquer detalhe, não utilizou o missal da cidade de Roma, mas o missal que se empregava no seu mosteiro de origem ao norte da Inglaterra. Era este totalmente diferente do missal romano, quanto a orações e prefácios, tendo somente o cânon em comum. Além disso utilizava uma versão anterior à época do Papa São Gregório.

Certamente não é missão da Sé Apostólica introduzir novidades dentro da Igreja. O primeiro dever dos Papas é vigiar, enquanto bispos supremos (episcopi = vigias, supervisores) no dogmático, moral e litúrgico. 

Desde o Concílio de Trento, a revisão dos livros litúrgicos forma parte dos plenos poderes da Sé Apostólica; consiste em examinar as edições impressas assim como em proceder a alterações mínimas como, por exemplo, a introdução de festas novas, como fez São Pio V, quando a petição do Concílio de Trento assumiu a revisão do missal da Cúria romana, utilizado até então em Roma e em muitas regiões da Igreja do Ocidente; e que publicou em 1570 como “Missale romanum”. Como temos demonstrado mais acima, não se pode falar aqui de um novo missal deste Papa.

É necessário também indicar o seguinte: nem na Igreja Romana nem na do Oriente algum patriarca, ou algum bispo, por sua própria autoridade, impôs uma reforma litúrgica. Mas tanto no Oriente como no Ocidente, ao longo dos anos existiu um desenvolvimento orgânico e progressivo das formas litúrgicas.

Quando Nikon, patriarca de Moscou, intentou no século XVIII empreender algumas modificações sobre detalhes do rito, relativas à forma de escrever o nome de Jesus ou com quantos dedos era conveniente se persignar, deu como resultado um cisma. Mais ou menos doze milhões de “velhos crentes” (raskolniks) se separaram então da Igreja do Estado.

Sem problema acrescentamos também: se o Papa, por exemplo, como conseqüência das decisões do Concílio Vaticano II, tivesse autorizado “ad libitum” ou “ad experimentum” algumas novidades, sem que o próprio rito tivesse sido modificado, não haveria objeção quanto ao desenvolvimento orgânico do rito a longo prazo. Houve mudança de rito não somente por causa do novo “Ordo missae” de 1969, mas também por causa da ampla reorganização do ano litúrgico e do santoral. Acrescentar ou retirar uma ou outra festa, como  se fazia até agora, certamente não altera o rito. Mas realmente se realizaram inumeráveis mudanças e foram introduzidas muitas inovações como conseqüência da reforma litúrgica, que não deixou subsistir quase nada
do anteriormente existente. 

Atentos ao fato de não existir nenhum documento que mencione expressamente o direito da Sé apostólica de modificar ou de abolir o rito tradicional e de não se poder provar que tenha existido algum predecessor de Paulo VI que interviesse de maneira significativa na liturgia romana, deveria ser mais que duvidoso que uma mudança de rito possa estar dentro das competências da Sé apostólica. Pelo contrário e sem dúvida alguma, esta tem o direito de sancionar e controlar os livros litúrgicos, assim como os costumes litúrgicos.

Fonte: A Reforma Litúrgica Romana - Monsenhor Klaus Gamber - Fundador do Instituto - Tradução por Luís Augusto Rodrigues Domingues (Teresina, PI - 2009) - Litúrgico de Ratisbona - Revisão por Edilberto Alves da Silva.

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