Santo Ofício: Desmascarando as Testemunhas de jeová - Deve se acreditar na Trindade? (Parte I)
Em síntese: As Testemunhas de Jeová, na sua tendência a voltar ao Antigo Testamento, com detrimento do Novo, negam a SS. Trindade e a Divindade de Cristo. Julgam que as Escrituras não apresentam a revelação do dogma trinitário;este terá sido oficialmente professado no século IV apenas, em conseqüência de helenização e deturpação da mensagem cristã. — Verifica-se, porém, que já o Antigo Testamento prepara de algum modo a revelação da SS. Trindade, que não podia ser manifestada aos judeus, dado o ambiente de povos pagãos que os cercavam. No Novo Testamento há várias fórmulas trinitárias, analisadas nas páginas deste artigo; tais fórmulas encontraram eco nos escritos da Liturgia e dos teólogos dos séculos ll-IV. — Pro curando ilustrar como em Deus possa haver três pessoas sem quebra da unidade de natureza ou substância, os teólogos recorrem ao instrumental da filosofia grega, de reconhecido acume lógico; tal recurso é legítimo, contanto que não afete o conteúdo das verdades reveladas. Por conseguinte, a profissão de fé na SS. Trindade não é algo de heterogêneo dentro do Cristianismo, mas é a genuína explicitação do depósito revelado, que o magistério da Igreja reconheceu e sancionou sob a guia do Espírito Santo (cf. Jo 14,26; 16,13).
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As Testemunhas de Jeová, embora se derivem do protestantismo, já não são cristãs) pois não admitem a Divindade de Jesus Cristo nem o mistério da SS. Trindade. Periodicamente lançam fascículos que tendem a mostrar que a crença na Trindade resulta da helenização ou paganização da primitiva mensagem cristã. Com a data de 18/01/1985 foi impresso um número da revista "Despertai!" que negava a SS. Trindade; ao que respondemos em PR 283/1985, pp. 486-496.
Mais recentemente, ou seja, em 1989, a Sociedade Torre de Vigia publicou o caderno intitulado "Deve-se crer na Trindade?", em que repete a habitual argumentação antitrinitária. A pedido de leitores, exporemos de novo a doutrina católica, acrescentando alguns dados ao texto de PR 283.
1. O fascículo das Testemunhas
Quem lê o fascículo "Deve-se crer na Trindade?", pode ficar impressionado com a volumosa explanação de motivos. Em grande parte, trata-se de sofismas, textos isolados do seu contexto e preconceitos. Em primeira abordagem, desejamos observar o seguinte:
1) A propalada paganização do Cristianismo é destituída de fundamento. Os cristãos morreram mártires precisamente para não aderir às crenças e aos costumes dos pagãos. O problema já foi considerado em PR 336/ 1990, pp. 220-225.
2) O fascículo apresenta numa mesma página imagens de tríades pagãs e representações iconográficas da SS. Trindade. . . A propósito diremos adiante que o número 3 era muito estimado pelos antigos povos, mas o dogma trinitário tem significado radicalmente diverso do das tríades não cristãs. Ademais a Igreja proibiu que se represente a Trindade mediante um busto com três cabeças (a de um ancião, a de um adulto e a de um jovem) ou mediante uma cabeça com três faces. Tais imagens, que insinuam monstruosidades, contribuem para ridicularizar a SS. Trindade, como querem as Testemunhas de Jeová ao apresentá-las em seu fascículo.
3) Tem-se a impressão de que somente em fins do século XIX a mensagem bíblica do Antigo e do Novo Testamento foi bem entendida, pois os cristãos sempre professaram a fé trinitária. — Ora é preciso ter muita coragem para admitir que durante dezenove séculos ninguém tenha entendido a doutrina do Novo Testamento; era necessário que viesse Charles Taze Russell (1852-1916) para que o mundo entendesse o Evangelho e os escritos neotestamentários! Russell, assim distante, sabia mais e melhor do que os cristãos mais antigos a respeito da Palavra de Cristo? — Seria absurdo admiti-lo.
Passemos agora ao exame mais detido da problemática.
2. A argumentação das Testemunhas
Segundo a corrente em foco, o Novo Testamento não apresenta a palavra Trindade nem a doutrina explícita da SS. Trindade; Jesus e seus seguidores não tencionaram abandonar a fórmula do Antigo Testamento: "Ouve, Israel: o Senhor nosso Deus é um só" (Dt 6,4). A doutrina trinitária ter-se-á desenvolvido gradualmente no decorrer dos séculos, enfrentando muitas controvérsias.
Mais precisamente: segundo tal escola, a doutrina bíblica, que não reconhece a SS. Trindade, foi adaptada à filosofia grega nos primeiros séculos. Havia nas concepções religiosas e filosóficas não cristãs muitas tríades, que correspondiam a aspectos do Deus Supremo; de modo especial, Platão (427-347 a.C.) terá inspirado os "apóstatas pais da Igreja" para que concebessem Pai, Filho e Espírito Santo como três pessoas num só Deus. Uma das formulações do "novo dogma" terá sido "Pai, Mãe ( = Espírito Santo) e Filho", pois a palavra ruach ( = espírito, em hebraico) é de gênero feminino.
Nos primeiros séculos, teólogos unitários e trinitários, como dizem as Testemunhas, se confrontaram ardorosamente, acabando por prevalecer estes últimos. No Concílio de Nicéia I (325), foi formulado o Símbolo de fé trinitária, que o Concílio de Constantinopla I completou em 381, professando a trindade de pessoas e a unidade de substância em Deus.
Assim é que, segundo as Testemunhas, os cristãos católicos, ortodoxos e protestantes adoram um Deus que não compreendem. Somente a partir de 1874, mediante os estudos de Charles T. Russell e seus companheiros, foi denunciado o erro de dezesseis séculos de Cristianismo; em conseqüência somente as Testemunhas entendem adequadamente a doutrina bíblica referente a Deus, cujo nome autêntico seria Jeová.
Perguntamos: que dizer a propósito?
Procederemos por partes.
3. A doutrina bíblica
A Bíblia ensina estritamente a unidade e unicidade de Deus. Qualquer fórmula politeísta é aberração não só no plano da fé cristã, mas no da lógica; não pode haver mais de um só Deus ou mais de um Ser Absoluto e Eterno.
Dito isto, consideremos de per si o Antigo e o Novo Testamento.
3.1. O Antigo Testamento
No Antigo Testamento, visto que o povo de Israel estava cercado de nações pagãs politeístas, a Lei de Moisés e os Profetas insistiram sobre a unicidade de Deus; não havia como revelar ao povo de Israel toda a riqueza da vida de Deus, que, sem perder a sua unidade, se afirma três vezes, como Pai, Filho e Espírito Santo respectivamente.
Todavia não podemos deixar de observar a tendência, dos autores do Antigo Testamento, a conceber como pessoas ou a personificar certos atributos ou propriedades de Deus; é o que se dá especialmente em relação à Sabedoria, à Palavra e ao Espírito de Deus. Examinemos de mais perto como isto se dá.
3.1.1. A Sabedoria
A sabedoria como tal é um atributo de Deus e do homem. Todavia nos livros sapienciais ela foi sendo concebida como pessoa; assim em Jó 28,1-28; Br 3,4-4,4; Pr 8, 12-36; Eclo 24,5-32; Sb 7,22-26.
A sabedoria "sai da boca do Altíssimo, e, como a neblina, cobre a terra. . . reina sobre todos os povos e nações" (Eclo 24,3-6). Só Deus sabe onde ela habita; só Deus conhece o caminho que leva a ela (cf. Jó 28,23). Desde a eternidade, ela foi estabelecida; antes das montanhas e dos mares, foi gerada; assistia a Deus, como mestre-de-obras, na criação do mundo; todo o tempo ela brincava na presença de Deus e se alegrava com os homens (cf Pr 8, 22-31). Ela apareceu sobre a terra e no meio dos homens conviveu (cf. Br 3,38). É um espírito inteligente, santo, imaculado, amigo do bem, todo-poderoso... É um reflexo da luz eterna, um espelho nítido da atividade de Deus, uma imagem da sua bondade (Sb 7,22-26).
Embora estes textos insinuem ser a Sabedoria uma pessoa distinta de Deus, sabemos que a mentalidade judaica não os podia entender senão como figuras literárias, que personificavam poeticamente um atributo de Deus. No Novo Testamento, porém, São Paulo alude a esses textos e identifica a sabedoria com a segunda Pessoa da SS. Trindade ou o Cristo Jesus:
ICor 1,24: "Cristo é o poder e a sabedoria de Deus";
Hb 1,3: "Cristo é o resplendor da glória de Deus e a imagem da sua substância; sustenta todas as coisas pela sua palavra poderosa";
Cl 1,15: "Cristo é a imagem do Deus invisível".
O apóstolo, ilustrado pela revelação cristã, releu os textos do Antigo Testamento de modo a descobrir neles uma revelação da segunda Pessoa da SS, Trindade.
3.1.2. A Palavra
A palavra (dabar), para os semitas, tinha mais importância do que para nós. Atribuíam-lhe eficácia própria, que durava para além do momento em que era proferida.
Assim a palavra de Deus é tida como criadora:
Gn 1,3.6.9.11.14s. 2024: "Deus disse. .. E assim se fez."
SI 32,6: "O céu foi feito pela Palavra do Senhor".
Sb 9,1: "Deus dos Pais, . . . que tudo criaste com tua palavra".
SI 147,4: "O Senhor envia suas ordens à terra e sua palavra corre velozmente".
A eficácia atribuída à Palavra de Deus explica tenha sido ela concebida como pessoa ao lado do próprio Deus; assim, por exemplo, nos seguintes textos:
Is 55,10s: "Como a chuva e a neve descem do céu e para lá não voltam sem ter regado a terra, ... tal ocorre com a palavra de minha boca; ela não torna a mim sem fruto; antes, ela cumpre a minha vontade e assegura o êxito da missão para a qual a enviei".
Sb 18,14s: "Quando um silêncio envolvia todas as coisas e a noite mediava o seu rápido percurso, tua palavra onipotente precipitou-se do trono real dos céus".
Sb 16,12: "Não os curou nem erva nem ungüento, mas a tua palavra. Senhor, que a tudo cura".
Nestes textos não há, segundo os judeus que os escreveram, senão personificação poética ou figura literária. Todavia o Apóstolo S. João desenvolveu a concepção judaica, apresentando a segunda pessoa da SS. Trindade como Palavra (Lógos, em grego). Cf. Jo 1,1: "No princípio existia o Lógos, e o Lógos estava com Deus e o Lógos era Deus. . . E o Lógos se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do Unigênito do Pai" (ver também 1,14).
3.1.3. O Espírito de Deus
O termo hebraico ruach, (em latim, spiritus, espírito) significa "vento, brisa silenciosa, tempestade. . ." Está associado à idéia de vida. Em conseqüência, as intervenções de Deus em favor do seu povo na história são atribuídas à ruach (força vivificante) de Deus. É esta quem transforma os homens, tornando-os capazes de façanhas excepcionais; tenha-se em vista o caso de Sansão (Jz 13,25; 14,6).
O Messias prometido pelos Profetas seria portador do ruach: Is 11,1-5; 42, 1-3; 61,1s; Jl 3,1-3. Essa força vivificante de Deus seria dada a todos os homens: Is 32,15-20; 44,3-5. E produziria novas criaturas: Ez 11,19; 18,31; 36,26; 37,1-10.
Nota-se também a tendência a personificar o Espírito entre os judeus; cf. Is 63,10s; 2Sm 23,2. Isto, porém, sem ultrapassar os termos de uma figura poética. — O Novo Testamento mais uma vez desenvolveu o pensamento judaico, apresentando o Espírito como a terceira Pessoa da SS. Trindade; cf. Jo 14,25; 16,7.13; At 2,1-22.
3.2.2. O Novo Testamento
Jesus explicitou as noções judaicas, falando abertamente do Pai e do Espírito, que com o Filho constituem um só Deus em três Pessoas.
A SS. Trindade aparece em algumas fórmulas marcantes:
Mt 28,18s: "Ide e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo". — Temos aqui a fórmula tal como era aplicada na liturgia do Batismo; a justaposição mediante a preposição e significa a igualdade de natureza das três Pessoas Divinas.
Mt 3,16; Mc 1,11; Lc 3,22; Jo 1,32: no Batismo de Jesus, o Pai se faz ouvir apontando o Filho, e o Espírito Santo se manifesta sob a forma de pomba (a pomba era, nas literaturas antigas, um sinal que servia para identificar).
Lc 1,30-35: na anunciação do anjo a Maria, o Pai é dito "o Altíssimo, o Senhor Deus"; o Espírito Santo é identificado com "o Poder do Altíssimo". Este recobre Maria com a sua sombra, como as asas de um pássaro recobrem uma criatura, simbolizando a ação divina fecundante e vivificante (cf. SI 16 [17], 8; SI 56 [57] 2; Gn 1,2); em conseqüência, Maria recebe em seu seio o Filho de Deus, ao qual ela deverá dar a natureza humana, para que Ele nasça como Filho de Deus e (enquanto homem) como Filho de Maria.
2Cor 13,13: "A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunicação do Espírito Santo estejam com todos vós!" - Nesta fórmula. Deus (Pai) é tido como o Amor (pois, na verdade, foi como Amor que Ele quis identificar-se no Novo Testamento; cf. Jo 4,16). Esse Amor tem um sorriso (graça) para os homens, que é o Filho feito homem, manifestação do Pai. Essa graça se comunica a cada homem mediante o Espírito Santo, ao qual, portanto, é atribuída a comunhão.
Gl 4,6: "Porque sois filhos, enviou Deus em nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abbá, Pai!" (cf. Rm 8,15). Este texto nos diz que o Espírito Santo nos faz filhos no Filho e, conseqüentemente, com o Filho nos leva a clamar a palavra por excelência: Abbá, Pai. Somos assim inseridos na vida trinitária; a consciência deste fato era tão viva para os antigos cristãos que aprendiam a dizer Abbá desde os primeiros dias da sua conversão, ficando essa palavra aramaica, mesmo fora da Palestina, como a palavra mais típica e fundamental da mensagem cristã.
Ef 2,18: "Por Cristo. . . num só Espírito temos acesso ao Pai". — Neste texto é apresentado o papel de cada uma das Pessoas trinitárias na obra de salvação do homem: o Espírito Santo é sempre aquele que nos faz filhos ou aquele que nos atinge em nosso íntimo. Ele nos leva ao Pai (que é o Princípio e o Fim, o Primeiro e o Último) mediante o Filho (que é o nosso Pontífice ou Mediador). "Ao Pai pelo Filho no Espírito Santo" é a fórmula clássica da piedade cristã, geralmente reassumida pela Liturgia. Vivemos "no Espírito Santo" (cf. 1Cor 12,3; Rm 8,9.11), pois é o Espírito que anima e vivifica o Corpo de Cristo que é a Igreja.
Tt 3,4-6: "Quando a bondade e o amor de Deus, nosso Salvador, se manifestaram, . . . fomos levados pelo poder regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele ricamente derramou sobre nós por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador". — Como se vê mais uma vez, o Pai é o Amor, que tem a iniciativa de nos salvar, o Filho é o Pontífice ou Mediador, e o Espírito Santo é a força de Deus que nos recria, fazendo-nos consortes da vida trinitária.
Hb 2,3s: "A salvação começou a ser anunciada pelo Senhor. Depois foi-nos fielmente transmitida pelos que a ouviram, testemunhando Deus juntamente com eles, . . . pelos dons do Espírito Santo distribuídos segundo a sua vontade". . . — Deus (Pai) é o princípio de toda a salvação; o Filho é a Palavra, que na terra anuncia essa Boa-Nova do Pai; o Espírito Santo é Aquele que em nossos corações explana e interpreta a mensagem.
Tal é a doutrina dos escritos do Novo Testamento.
Vê-se, pois, que não se pode dizer que no Novo Testamento não há declarações trinitárias ou que a doutrina da SS. Trindade é alheia aos escritos bíblicos. É certo que tal doutrina se encontra expressa, nos textos citados, de maneira vivencial, sem preocupações especulativas e sistemáticas. Os textos bíblicos enfatizam o significado salvífico das verdades da fé, pois a Bíblia foi escrita como mensagem de salvação; todavia foi redigida em termos suficientemente claros, que a Tradição cristã foi aos poucos desenvolvendo de forma homogênea.
Fonte: Pergunte e Responderemos 1438
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