Teologia Ascética e Mística: A parte do homem na vida cristã

É evidente que, se Deus operou tantas maravilhas, para nos comunicar uma participação da sua vida, nós devemos, da nossa parte, corresponder às suas amorosas antecipações, aceitar com reconhecimento essa vida, cultivá-Ia e preparar-nos assim para essa bem-aventurança eterna que será a coroa dos nossos esforços na terra. A gratidão faz-nos disso um dever; é que, de facto, não há melhor meio de agradecer um benefício que utilizá-lo para o fim para que nos foi concedido. O nosso interesse espiritual exige-o: porque Deus nos recompensará segundo os nossos méritos, e a nossa glória no céu corresponderá aos graus de graça que houvermos conquistado pelas nossas boas obras: «Unusquisque autem propriam mercedem accipiet secundum, suum laborem» ; assim como, pelo contrário, se verá obrigado a castigar severamente aqueles que, resistindo voluntariamente às suas divinas finezas, tiverem abusado da graça; porquanto, como diz o Apóstolo, «a terra que, abeberada pela chuva que cai amiúde sobre ela, germina erva útil àqueles por quem é cultivada, tem parte na bênção de Deus; mas, se não produz mais que espinhos e cardos, é julgada de má qualidade e perto de ser amaldiçoada: Terra enim. saepe venientem super: se bibens imbrem et generans herbam opportunan illis a quibus colitur, accipit benedictionem a Deo: proferens autem spinas ac tribulos. reproba est et maledicto proxima»". É indubitável que Deus. que nos criou livres, respeita a nossa liberdade, e não nos santificará contra a nossa vontade; mas não cessa de nos exortar a que nos aproveitemos das graças que nos outorga tão liberalmente «Adiuvantes autem exhortamur ne in vacuum gratiam Dei recipiatis (I Cor 3,8): Exortamo-vos a que não recebais a graça de Deus em vão».

191. Ora, para correspondermos a essa graça, devemos antes de tudo praticar aquelas grandes devoções que expusemos no artigo precedente: devoção à Santíssima Trindade. devoção ao Verbo Encarnado, devoção à Santíssima Virgem, aos Anjos e aos Santos. Nelas encontraremos, efetivamente, o mais eficaz dos motivos, para nos darmos completamente a Deus, em união com Jesus, e com a proteção dos nossos poderosos intercessores; nelas encontraremos outrossim modelos de santidade que nos traçarão o caminho que devemos trilhar, e mais ainda energias sobrenaturais que nos permitirão aproximar-nos cada dia do ideal de santidade proposto à nossa imitação. Notemos aqui, porém, que expusemos essas devoções na sua ordem ontológica ou de dignidade. Na prática não é a devoção à Santíssima Trindade a que se exercita em primeiro lugar; começamos em geral pela devoção a Nosso Senhor Jesus Cristo e à Santíssima Virgem, e só mais tarde é que nos elevamos à Santíssima Trindade.

192. Mas não basta. É-nos indispensável utilizar todo esse organismo sobrenatural de que somos dotados e aperfeiçoá-Ia, a despeito dos obstáculos de dentro e de fora, que se opõem ao seu desenvolvimento. 1.º Visto como permanece em nós a tríplice concupiscência, que incessantemente tende para o mal e é atiçada pelo mundo e pelo demônio, o primeiro passo será combatê-Ia energicamente, bem como os seus poderosos auxiliares. 2.° Com aquele organismo sobrenatural que nos foi dado para produzir atos deiformes, meritórios da vida eterna, devemos multiplicar os nossos méritos. 3.° Como aprouve enfim à Bondade divina instituir sacramentos, que produzem em nós a graça segundo a medida da nossa cooperação, é necessário aproximar-nos deles com disposições. quanto possível, perfeitas. Por esse meio conservaremos em nós a vida da graça, mais ainda, Fá-la-emos crescer indefinidamente.

(Fonte: Compêndio de Teologia e Ascética e Mística - AD. Tanquerey - 1961)

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