Preparação para a morte: A vida presente é uma viagem para a Eternidade III
Corpo Incorrruptível de São Silvano Mártir |
PONTO III
“Irá o homem
à casa de sua eternidade” (Ecl 12,5) disse o profeta... “Irá”, para significar
que cada qual há de ir à morada que quiser.
Não será
levado, mas irá por sua própria e livre vontade. Deus quer certamente que nos
salvemos todos; mas não quer salvar-nos à força.
Põe diante
de nós a vida e a morte (Ecl 15,18) e ser-nos-á dado o que escolhermos (Ecl
15,18). Jeremias disse também que o Senhor nos deu dois caminhos, o da glória e
o do inferno (Jr 21,8). A nós cabe escolher. Mas quem se empenha em andar pela senda
do inferno, como poderá chegar à glória? É de admirar que, ainda que todos os
pecadores queiram salvar-se, eles mesmos se condenam ao inferno, dizendo: espero
salvar-me. Mas quem será tão louco — disse Santo Agostinho — que tome veneno
moral com esperança de curar-se?... No entanto, quantos insensatos se dão a
morte a si próprios, pecando, e dizem: “mais tarde pensarei no remédio...” Ó deplorável
ilusão, que a tantos tem arrastado ao inferno! Não sejamos tão imprevidentes;
consideremos que se trata da eternidade.
Se tanto
trabalho se dá o homem para adquirir uma casa cômoda, espaçosa, saudável e bem situada,
como se tivesse certeza de que a poderia habitar durante toda a vida, por que
se mostra tão descuidado quando se trata da casa que deve ocupar eterna-mente?
— disse Santo Euquério1. — Não se trata de uma morada mais ou menos cômoda ou espaçosa, mas de viver em um lugar
cheio de delícias, entre os amigos de Deus, ou num abismo de todos os tormentos,
entre a turba infame dos celerados, hereges e idólatras... E isto por quanto
tempo?... Não por vinte nem por quarenta anos, senão por toda a eternidade.
Grande negócio, sem dúvida! Não é coisa de momento, mas de suma importância.
Quando São
Tomás More foi condenado à morte por Henrique VIII, Luísa, sua esposa, procurou
persuadi-lo a consentir no que o rei queria.
Tomás lhe
replicou: Dize-me, Luísa, vês que já sou velho. Quanto tempo ainda poderei
viver? — poderás viver ainda vinte anos — disse a esposa. — Oh! Triste negócio!
— exclamou então Tomás. — Por vinte anos de vida na terra, querias que perdesse
uma eternidade de ventura e que me condenasse à eterna desdita?” Iluminai-nos,
ó Deus! Se a doutrina da eternidade fosse duvidosa, se não passasse de opinião
provável, ainda assim deveríamos procurar com empenho viver bem para não nos
expormos, caso essa opinião fosse verdadeira, a ser eternamente infelizes. Mas
essa doutrina não é duvidosa, senão certa; não é mera opinião, senão verdade de
fé: “Irá o homem à casa da eternidade...” (Ecl 12,5). “É a falta de fé — diz
Santa Teresa — a causa de tantos pecados e da condenação de tantos cristãos!...
Reavivemos,
pois, nossa fé, dizendo: “Creio na vida eterna!” Creio que depois desta vida há
outra que não acaba nunca. Tendo sempre presente este pensamento, lancemos mãos
dos meios convenientes para assegurar a salvação. Freqüentemos os sacramentos,
façamos meditação diária, pensemos em nossa salvação e fujamos das ocasiões
perigosas. E se for preciso, fujamos do mundo, porque nenhuma precaução é
demais para nos assegurar a eterna salvação. “Não há cautela que seja excessiva
quando periga a eternidade” — diz São Bernardo.
AFETOS E
SÚPLICAS
Não há,
pois, meu Deus, termo médio: ou ser sempre feliz, ou para sempre desgraçado; ou
hei de lançar-me num mar de venturas, ou num pélago de tormentos; ou convosco
na glória, ou eternamente no inferno separado de vós. Sei com certeza que
muitas vezes mereci o inferno, mas também sei com certeza que perdoais ao que
se arrepende e livrais de eterna condenação ao que espera em vós. Dissestes: “clamará
a mim... e eu o livrarei e glorificarei” (Sl 90,15). Perdoai-me, pois, meu
Senhor, e livrai-me do inferno. Pesa-me, ó Sumo Bem, sobre todas as coisas de
vos ter ofendido. Restabelecei-me na vossa graça e dai-me vosso santo amor. Se
já estivesse no inferno, não poderia amar-vos, mas vos odiaria eternamente...
E, no entanto, que mal fizestes para que vos odiasse?... Amastes-me até ao
extremo de morrer por mim; sois digno de infinito amor. Não permitais, Senhor,
que me aparte de vós; amo-vos e quero amar-vos sempre. “Quem me separará do
amor de Cristo?” (Rm 13,35). Ah, meu Jesus, só o pecado me pode separar de vós.
Não o permitais, eu vo-lo exoro, pelo sangue que derramastes por mim. Dai-me
antes a morte...
Ó Rainha e minha Mãe! Assisti-me com
vossas orações; fazei que morra mil vezes, antes que me separe do amor do vosso
divino Filho!
V/: Requiem aeternam dona eis, Domine, et lux perpetua luceat eis. Requiescant in pace. R:/ Amém.
Fonte: Preparação para a Morte - Santo Afonso Maria de Ligório - Considerações sobre as verdades eternas - Tradução de Celso de Alencar - Versão PDF de FL. Castro - 2004
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