Preparação para a morte: Do amor de Deus

PONTO II

Deus não se limitou a dar-nos todas essas formosas criaturas do universo, mas não viu satisfeito o seu amor enquanto não veio a dar a si próprio por nós (Gl 2,20). O maldito pecado nos fez perder a graça divina e o céu, tornando-nos escravos do demônio. Mas o Filho de Deus, com espanto do céu e da terra, quis vir a este mundo, fazer-se homem para remir-nos da morte eterna e reconquistar-nos a graça e o paraíso perdido. Que maravilha seria ver um poderoso monarca tomar a forma e a natureza de um verme por amor aos homens. “Humilhou-se a si mesmo, tomando a forma de servo... e reduzindo-se à condição de homem...” (Fl 2,7). Um Deus revestido de carne mortal! E o Verbo se fez carne (Jo 1,14). Mas o prodígio ainda aumenta, quando se considera o que fez e sofreu depois por nosso amor esse Filho de Deus. Para nos remir, era bastante uma só gota de seu sangue preciosíssimo, uma só lágrima, uma só súplicas, porque esta oração, sendo um ato de pessoa divina, teria infinito valor e era suficiente para resgatar não só um mundo, mas uma infinidade de mundos que houvesse. Observa, entretanto, São João Crisóstomo que aquilo que bastava para resgatar-nos, não era bastante para satisfazer o imenso amor, que Deus nos tinha. Não queria unicamente salvar-nos, mas que muito o amássemos, porque ele muito nos amava. Escolheu vida de trabalhos e de humilhações e a morte mais amargurada entre todas as mortes, a fim de nos fazer compreender o infinito e ardentíssimo amor em que ardia por nós. “Humilhou- se a si mesmo, fez-se obediente até à morte e morte de cruz” (Fl 2,8). Ó excesso de amor divino que nunca os anjos nem os homens chegarão a compreender! Digo excesso, porque é exatamente assim que se exprimiam Moisés e Elias no Tabor, falando da Paixão de Cristo (Lc 9,31). “Excesso de dor, excesso de amor”, disse São Boaventura.

Se o Redentor não tivesse sido Deus, mas simplesmente um parente ou amigo, que maior prova de afeto nos poderia dar do que morrer por nós? “Ninguém tem amor em maior grau do que ele, porque dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). Se Jesus Cristo tivesse de salvar seu próprio pai, que mais poderia ter feito por amor dele? Se tu, meu irmão, fosses Deus e Criador de Jesus Cristo, que mais poderia fazer por ti além de sacrificar sua vida num abismo de humilhações e de dores? Se o mais vil dos homens deste mundo tivesse feito por ti o que fez o Redentor, poderias viver sem o amar? Crês na encarnação e na morte de Jesus Cristo?... Crês e não o amas? Podes sequer pensar em outras coisas, que não seja Jesus Cristo? Duvidas, talvez, do seu amor?... O divino Salvador, diz Santo Agostinho, veio ao mundo para sofrer e morrer por vós, a fim de vos patentear o amor que vos tem. Antes da Encarnação o homem, talvez, poderia pôr em dúvida que Deus o amasse ternamente; mas, depois da Encarnação e morte de Jesus Cristo, quem pode duvidá-lo? Que prova mais evidente e terna podia dar-nos do seu amor do que sacrificar a sua vida por nós?... Estamos habituados a ouvir falar de criação e redenção, de um Deus que nasce num presépio e morre numa cruz... Ó santa fé, ilumina nossas almas!

AFETOS E SÚPLICAS

Meu Jesus, vejo que fizestes tudo o que pudestes para obrigar-me a vos amar, e que eu, com minhas ingratidões, vos pus na obrigação de me abandonardes. Bendita seja vossa paciência, que me tem aturado tanto tempo! Merecia um inferno criado de propósito para mim, mas vossa morte me inspira esperança firme de perdão. Ensinai-me, Senhor, quanto mereceis ser amado e o dever que tenho de amar-vos, ó Bondade infinita! Bem sabia que morrestes por mim, ó Jesus; e como pude viver esquecido de vós, tantos anos?... Se pudesse recomeçar a minha vida, ó Senhor, toda inteira vo-la quisera consagrar, mas os anos passados não voltam... Fazei ao menos que empregue o que me resta da existência unicamente em vos servir e amar. Meu amantíssimo Redentor, amo-vos de todo o coração. Aumentai em mim o a-mor, recordando- me quanto bem me fizestes, e não permitais que volte a ser ingrato.

Não quero resistir por mais tempo à luz que me dais. Desejais que vos ame e eu desejo amar-vos. A quem hei de amar senão amar a meu Deus, beleza infinita e infinita bondade, a um Deus que morreu por mim e me suportou com tanta paciência, e em vez de castigar-me como o merecia, transformou o castigo em graças e favores? Sim, amo-vos, ó Deus digno de infinito amor, e não desejo nem aspiro a outra coisa do que dedicar-me ao vosso amor, esquecido de todo mundo. Ó caridade infinita de meu Senhor: socorrei a uma alma que arde no desejo de ser toda vossa para sempre.

Auxiliai-me também com vossa intercessão, ó Maria, excelsa Mãe de Deus! Rogai a Jesus Cristo que me conceda a graça de ser todo dele para sempre.

V/: Requiem aeternam dona eis, Domine, et lux perpetua luceat eis. Requiescant in pace. R:/ Amém.


Fonte: Preparação para a Morte - Santo Afonso Maria de Ligório - Considerações sobre as verdades eternas - Tradução de Celso de Alencar - Versão PDF de FL. Castro - 2004 

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