Teologia Ascética e Mística: Como os atos meritórios aumentam a graça e a glória

Caridade - Giotto

A primeira vista parece difícil compreender os atos, tão simples, tão comuns e essencialmente transitórios, podem merecer a vida eterna. Esta dificuldade seria insolúvel, se esses atos viessem unicamente de nós: mas eles são, em realidade, obra de dois, resultado da cooperação de Deus e da vontade humana, e é isso o que explica a sua eficácia: coroando os nosso méritos, coroa Deus também os nossos dons, porque tem nesses méritos uma parte preponderante. Expliquemos, pois, a parte de Deus e a do homem: assim melhor compreenderemos a eficácia dos atos meritórios.

Deus é a causa principal e primária dos  nossos méritos: "Não sou em quem opera, diz São Paulo, é a graça de Deus comigo: Non ego, sed gratia Dei mecum" (I Cor 15, 40). Foi Ele, efetivamente, quem criou as nossas faculdades, foi Ele quem as elevou ao estado sobrenatural, aperfeiçoando-as pelas virtudes e os dons do Espirito Santo. É Ele, que pela graça atual, preveniente e adjuvante, nos solicita a fazer o bem e nos ajuda a fazê-lo. É Ele, pois, a causa primária que põe em movimento a nossa vontade e lhe permitem operar sobrenaturalmente.

Mas a nossa vontade livre, correspondendo às solicitações de Deus, opera sob o influxo da graça e das virtudes, e assim se torna causa secundária, mas real e eficiente, de nosso atos meritórios, porque somos colaboradores de Deus. Sem este livre consentimento, Não há mérito: no céu já não há merecimento, porque não podemos deixar de amar esse Deus que vemos claramente ser a bondade infinita e a fonte de nossa bem-aventurança. Por outro lado, a nossa mesma cooperação é sobrenatural: pela graça habitual somos divinizados em nossa substância, pelas virtudes infusas e pelos dons somo-lo em nossas faculdades, pela graça atual até em nossos atos o somos. Há, pois, proporção real entre as nossas ações tomadas assim deiformes, e a graça, que é também em si uma vida deiforme, ou a glória, que não é mais que a completa evolução da mesma vida. É certo que esses atos são transitórios, e a glória é eterna; mas se avida natural, atos que passam produzem hábitos e estados de alma que permanecem, justo é que o mesmo suceda na ordem sobrenatural, e que os nossos atos de virtude, vistos produzem em nossa alma uma disposição habitual de amar a Deus, sejam remunerados com uma recompensa duradora; e, como a nossa alma é imortal, convém que esta recompensa não tenha fim.

Poder-se-iam objetar sem dúvida que, não obstante esta proporção, Deus não é obrigado a dar-nos recompensa tão nobre e duradoura como a graça e a glória. De boa mente concedemos tudo isso e reconhecemos que Deus, em sua infinita bondade, nos dá mais do que merecemos; não teria, pois, obrigação de nos admitir ao gozo da eterna visão beatífica, se não o tivesse prometido. Mas prometeu-o pelo mesmo fato de nos haver destinado a um fim sobrenatural; e essa promessa é-nos mais duma vez recordada na Sagrada Escritura onde a vida eterna nos é apresentada como recompensa prometida aos justo e coroa de justiça (Tiago 1,12). E é por isso que o concílio de Trento nos declara que a vida eterna é a um tempo graça misericordiosamente prometida por Jesus Cristo, e recompensa em virtude da promessa de Deus, é fielmente concedida às boas obras e aos méritos.

É em virtude desta promessa que se pode concluir que o mérito propriamente dito é algo pessoal: é para nós e não para os outros que merecemos a graça e a vida eterna, porque a divina promessa não se estende mais longe. - Inteiramente diverso é o caso de Nosso Senhor Jesus Cristo que, tendo sido constituído cabeça moral da humanidade. em virtude desse múnus, mereceu, em sentido rigoroso, para cada um dos seus membros.

É certo que podemos merecer também para os outros, mas com mérito de conveniência; e isto já é bem consolador, pois que esse mérito se vem acrescentar ao para o que já adquirimos para nós mesmos, e assim nos permite trabalhar em nossa santificação, e ao mesmo tempo cooperar na dos nossos irmãos. Vejamos, pois, as condições que aumentam o valor dos nossos atos meritórios. 

(Fonte: Compêndio de Teologia e Ascética e Mística [pag 146]- AD. Tanquerey - 1961)

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