Preparação para a Morte: Da conformidade com a vontade de Deus

PONTO II

Devemos conformar-nos com a vontade divina, não apenas nas coisas que recebemos diretamente de Deus, como sejam enfermidades, desolações espirituais, reveses de fortunas, morte de parentes, mas também nas que só indiretamente vêm de Deus e que ele nos envia por intermédio dos homens, como, por exemplo, a desonra, desprezos, injustiças e toda sorte de perseguições. E note-se que quando alguém nos ofende em nossa honra ou nos causa dano em nossos bens, não é Deus que quer o pecado de quem nos ofende ou causa dano, mas sim a humilhação ou a pobreza que dele resulta. É certo, portanto, que tudo quanto sucede acontece por vontade divina. “Eu sou o Senhor que formo a luz e as trevas; faço a paz e crio a desdita” (Is 45,7). E no Eclesiástico lemos: “Os bens e os males, a vida e a morte vêm de Deus”. Tudo, em suma, de Deus procede, tanto os bens como os males.

Chamam-se males certos acidentes porque nós assim os denominamos e em males os transformamos; entretanto, se os aceitássemos como era devi-do, resignando-nos à mão de Deus, seriam para nós bens em vez de males. As jóias que mais resplandecem e mais valorizam a coroa dos Santos são as tribulações que aceitaram das mãos de Deus.

Quando o santo homem Jó soube que os sabeus lhe haviam roubado os bens, não disse: “O Senhor nos deu e os sabeus nos tiraram, mas “O Senhor nos deu e o Senhor nos tirou” (Jó 1,21). E, dizendo-o, bendizia a Deus porque sabia que tudo sucede por vontade divina (Jó 1,21). Os santos mártires Epicteto e Aton, atormentados a ferro e fogo, exclamavam: Senhor, cumpra-se em nós a vossa santa vontade! Ao expirarem, foram estas as suas últimas palavras: “Bendito sejais, ó eterno Deus, por nos terdes dado a graça de cumprir a vossa vontade santíssima”.

Refere Cesário2 que certo monge, cuja vida não era mais austera que a dos outros, operava muitos milagres. Maravilhado, o abade perguntou-lhe quais eram as devoções que praticava. O monge respondeu que, sem dúvida, era mais imperfeito que os outros e que unicamente se aplicava, com especial cuidado, em conformar-se em todas as coisas com a vontade de Deus. “E aquele prejuízo — acrescentou o abade — que há dias o inimigo causou em nossas terras, não te causou pena alguma?” — “Ó Padre — disse o monge — antes dou graças a Deus, que tudo faz ou permite para nosso bem”. Estas palavras descobriram ao abade a grande santidade daquele bom religioso.

O mesmo devemos fazer quando nos sucedam contrariedade: recebamo-las todas da mão de Deus, não só com paciência, mas até com alegria, imitando o exemplo dos apóstolos, que se regozijavam de ser maltratados por amor de Cristo. “Saíram alegres do sinédrio, porque foram achados dignos de sofrer a-frontas pelo nome de Jesus” (At 5,41). Pois que maior contentamento pode haver do que sofrer alguma cruz e saber que, abraçando-a, podemos ser agradáveis a Deus?... Se quisermos viver em paz contínua, procuremos unir-nos à vontade divina e dizer sempre, aconteça o que acontecer: “Se-nhor, se assim for do vosso agrado, faça-se assim” (Mt 11,26). Para este caminho devemos dirigir todas as nossas meditações, comunhões, orações e visitas a Jesus Sacramentado, rogando continuamente a Deus, que nos conceda essa preciosa conformidade com sua vontade divina. Ofereçamo-nos sempre a ele, dizendo: Aqui me tendes, meu Deus; fazei de mim o que vos agrade... Santa Teresa se oferecia ao Senhor mais de cinqüenta vezes por dia, a fim de que dispusesse dela à sua vontade.

AFETOS E SÚPLICAS

Amantíssimo Redentor, divino Rei de minha alma, reinai nela, doravante!... E só vós unicamente!... Aceitai minha vontade inteiramente, de modo que não deseje nem queira senão o que vós quiserdes.

Bem sei quantas vezes vos tenho ofendido, o-pondo-me à vossa santa vontade. Desses delitos me sinto profundamente magoado e arrependo- me de todo o coração. Mereço castigo e não o recuso: aceito-o com o pedido único de que não me imponhais a pena da privação do vosso amor. Concedei-me esta graça e fazei de mim o que vos agrade. Amo-vos, meu Redentor, amo-vos, Senhor, e porque vos amo quero fazer tudo o que quiserdes. Ó vontade divina, sois o meu amor!... Ó sangue de Jesus Cristo, sois a minha esperança! por vós espero que desde agora ficarei sempre unido à vontade de Deus. Ela será meu norte e guia, meu amor e minha paz. Nela dese-jo viver e repousar. Em tudo o que me acontecer, direi sempre: Meu Deus, nada quero senão o que vós quiserdes; cumpra-se em mim a vossa vontade: Fiat voluntas tua...

Concedei-me, meu Jesus, pelos vossos merecimentos a graça de que repita sempre essa súplica amorosíssima: Fiat voluntas tua...

Ó Maria, Mãe e Senhora nossa, que cumpristes sempre a vontade divina! Fazei que também eu dora-vante a possa cumprir! Rainha da minha vida, alcançai-me esta graça, que espero pelo amor que tendes a Jesus Cristo.

V/: Requiem aeternam dona eis, Domine, et lux perpetua luceat eis. Requiescant in pace. R:/ Amém.


Fonte: Preparação para a Morte - Santo Afonso Maria de Ligório - Considerações sobre as verdades eternas - Tradução de Celso de Alencar - Versão PDF de FL. Castro - 2004 

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